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Viagem ao íntimo da Castelão na Península de Setúbal. Parte 2

Um ponto onde a mentalidade atual da Península de Setúbal atual rompe com a do passado, é a questão dos clones. Hoje o material policlonal é a tendência, numa evidente demonstração da preferência pela diversidade genética, em óbvio contraste “quando há 10, 20 anos houve um boom de um clone que não tem nada a ver com Castelão – de bago maior, muito produtivo – e que talvez esteja na origem de alguma associação negativa para com a casta. Quando só interessava a quantidade”, sublinha Filipe Cardoso. Acrescenta que, entretanto, assiste-se a uma significativa mudança no perfil do consumidor, que agora procura mais qualidade.


old vine Castelāo grapes in Portugal

Na visita a uma parcela de 1954, já vindimada, é o técnico agrícola quem nos chama atenção para as plantas terem de se “desenrascar” indo em profundidade em busca de água, “o que faz com que haja aqui boa maturação”. Outro comparativo entre vinha nova e mais antiga, é a altura a que se encontram as uvas. Enquanto, de um modo geral, nas mais vides novas os cachos estão posicionados a uma altura de 70 a 80 cm do solo, nesta vinha velha a situação é diferente. Aqui, encontram-se praticamente rentes ao chão.

Essa proximidade ao solo desencadeia outro fator. A reflexão de energia, de luz e temperatura, acumuladas pelas areias, é refletida para cima, decorrendo um efeito benéfico no amadurecimento da fruta. Nesta equação, é levada em consideração o rácio entre a área foliar e a produção de bagos. “É crucial compreender que os açúcares essenciais para as plantas têm origem nas folhas. Quanto mais equilibrada for a relação entre folhas e cachos, melhor será a qualidade da uva produzida!


Outra questão levantada e não circunscrita à região, mas de particular incidência nas vinhas velhas, é o desafio da mão-de-obra. Ou da falta dela. Pois, aqui tudo é feito à mão. Devido à escassez e às dificuldades na sua obtenção, já nem se preocupam com a qualidade dessa mão de obra. A prioridade já passa por apenas conseguir garanti-la. Há casas agrícolas que têm alguns ranchos (conjunto de trabalhadores agrícolas, em geral contratados para trabalhos sazonais) com quem colaboram habitualmente, o que dá alguma segurança nesse sentido.


Luís Simões chama a atenção para o evidente vigor da planta, mesmo após vindimada, “apesar da areia da praia, tem água e alimento no subsolo, o que faz rebentar. Não está parada, ainda tem alguma atividade radicular”.


Luis Mendes, em jeito de resumo, diz que “importante a reter na Castelão das vinhas velhas da região é o vigor que as cepas têm em termos de estrutura permanente que lhes permite amadurecer de uma forma intensa. Já a distância ao solo, que é menor que nas mais jovens, faz com que a relação entre o calor que o solo irradia e a maturação dos cachos seja mais benéfica. É daí que vem toda a qualidade do vinho de Castelão das vinhas velhas!”



Seguimos para o local da prova onde nos aguardavam uma quinzena de vinhos de Castelão, de várias origens, de vinificações diferenciadas e de várias colheitas. Iniciamos com um par de vinhos de 2023 ainda em vias de finalizar malolácticas, ou acabadinhos de a realizar, até outros onde recuamos no tempo até 2005. O que fica é uma inequívoca demonstração do carácter e temperamento da Castelão da Península de Setúbal.


É uma casta que resulta muito bem em vinhos mais simples e de apelo direto ao consumidor que procura um prazer imediato e versátil. Consegue-o através de vinhos de cores mais abertas, frutado muito fresco, pautado aqui e ali com tons de ervas aromáticas e algum mentolado. Os taninos mais sedosos e delicados, combinados com sensação refrescante, são de valor a não menosprezar. Então, do ponto de vista gastronómico, são de enorme polivalência. A isto junte-se uma personalidade reconhecível, algo menos comum em segmentos mais competitivos de preço.


A um nível superior, o vinho ganha sofisticação, com mais volume e taninos suculentos, mantendo uma textura levemente rugosa. Nos melhores exemplos, a fruta apresenta-se mais madura com toques mentolados e balsâmicos, preservando a frescura típica do clima quente. O uso criterioso da barrica também contribui positivamente.


Nos vinhos de topo e com capacidade de guarda, há uma opulência tranquila, as sensações são bastante plurais, a vivacidade é uma constante, mesmo quando a analítica não é fenomenal nesse aspecto. E a seu favor, a evidente aptidão gastronómica. Por várias zonas do país a casta vive uma nova vida. Os apreciadores mais envolvidos com o vinho da atualidade mostram-se menos preconceituosos para com ela e conquista, pela personalidade, alguns mercados que procuram a diferença.


Os vinhos de Castelão em geral, e os da Península de Setúbal não deverão ser exceção, devem aproveitar o ímpeto a seu favor, afirmar-se e dar-se a conhecer pela qualidade e personalidade. Há uma lufada de novidade sobre uma casta tradicional. Esta foi uma bela iniciativa que não só merece ser elogiada, mas também replicada.


lots of empty wine glasses from Peninsula de Setubal, Portugal

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