Foi um dia dedicado à casta Castelão da região vitivinícola da Península de Setúbal. Os nossos guias, Filipe Cardoso (proprietário da Quinta do Piloto, sócio da Sociedade Vinicola de Palmela e do projeto Trois. Acompanhavam-no os enólogos, Luis Simões e José Caninhas, os restantes integrantes do projeto Trois.
A fechar a equipa de técnicos especialistas, estava o engenheiro agrónomo Luís Mendes da AVIPE - Associação de Viticultores do Concelho de Palmela.
Filipe Cardoso, começou por dizer que as areias das planícies de Palmela até Pegões e os solos da zona da Serra da Arrábida são os dois grandes terroirs de Castelão na região. Luís Mendes, que como técnico da AVIPE passam-lhe pelas mãos uma boa porção das vinhas da região, descreveu os traços principais da casta. Do total de 7,000 hectares de vinha na região, a variedade ocupa substanciais 3,600 hectares (44% do total), o que lhe atribui um peso muito considerável na paisagem vitícola da Península de Setúbal.
Apesar de ao longo do tempo ter perdido protagonismo, sobrevivem, ainda, uma boa porção de vinhas antigas de Castelão de várias idades. De acordo com Luis Mendes e segundo registos da CVR, existem de 26 hectares com cerca de 90 anos (vinhas com registo 1931-1939); vinhas de 80 anos ocupam 35 hectares; na faixa dos 70 anos subsistem 90 hectares. Há ainda uns impressionantes 128 hectares de vinha com pelo menos 60 anos de vida. Poucas vinhas velhas subsistem na zona de serra. A maioria está nas areias, “ainda em geometria antiga na sua forma de condução, sem mecanização, plantadas com compasso de 1,30 x 1,30m.”
Nas reestruturações de vinha ao longo das últimas décadas, a casta foi sofrendo alguma “erosão”, diz-nos o técnico. Este movimento parece estar a abrandar nos últimos 5 a 7 anos. Há um incremento no plantio, com tendência crescente. As castas estrangeiras, que outrora substituíram a Castelão, sofrem alguma desaceleração no seu cultivo. E como a vida dá muitas voltas, agora é a Castelão que passa de substituída a substituta em muitos dos novos plantios. Pode produzir de 10 a 15 toneladas por hectare, enquanto as vinhas mais antigas rendem apenas de 3 a 4 toneladas por hectare.
Apesar de bem adaptada à região, as mudanças climáticas colocam-lhe novos desafios. Em particular, o fenómeno do escaldão, contrariando a literatura que lhe atribuía resistência. Revela vulnerabilidade ao desavinho e à bagoinha, muito associadas às recentes primaveras chuvosas, prejudicando o rendimento
A boa aclimatação é evidenciada pela resistência às variações de temperatura e à falta de água no solo. Apesar da secura, as vinhas conseguem-se hidratar explorando lençóis freáticos. A proximidade do mar cria condições noturnas especiais, contribuindo para o equilíbrio das plantas. Em Azeitão, protegida dos ventos do Atlântico e favorecida pelos ventos frescos do norte, a influência marítima é menor, proporcionando um ambiente vitícola distinto.
Na zona de Palmela, a amplitude térmica desempenha um papel crucial permitindo que as maturações ocorram até mais tarde, durante o dia. Para evitar a perda de água, as plantas fecham os estomas, interrompendo a fotossíntese e a produção de açúcar. A temperatura mais baixa durante a noite, permite às plantas se equilibrarem em termos hídricos, levar a maturação até mais tarde, até a completar. A rega nas vinhas velhas é quase inexistente, enquanto nas novas, é uma prática comum.
No nosso próximo artigo (Parte 2) abordaremos a mudança de mentalidade para a diversidade genética na produção de vinho na Península de Setúbal, as vantagens das vinhas velhas, bem como a crescente valorização dos vinhos Castelão.
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