Tomar é um território tão distinto na região vitivinícola do Tejo, que dá ideia de se estar noutra área do país vinícola. Situada no centro geográfico de Portugal, no distrito de Santarém, a cidade de Tomar, fundada pelos Cavaleiros Templários no século XII em terra concedida pelo primeiro rei de Portugal, dá o nome ao concelho que limita a norte a esta região vitivinícola. Aqui a cultura, tradição, património, arquitetura, festas, estão a hora e meia da capital, Lisboa, e a cerca de duas do Porto.
Nestas terras atravessadas pelo rio Nabão que é um afluente do rio Zêzere, as encostas dominam a paisagem. Não há planícies a perder de vista como noutras sub-regiões do Tejo.
As minúsculas parcelas de vinha estão ocultas por bosques e só lá chegamos guiados por quem sabe. A esta diferença junte-se um substancial património de vinhas velhas, daquelas em que a mistura de castas ainda é tradição.
Como noutras zonas mais rurais, esta área não ao escapa aos dilemas e desafios das mudanças geracionais. Os mais velhos já sem a energia de outrora são incapazes de levar por diante o labor e atenção que a vinhas pedem e os descendentes, mais interessados noutro modo de vida, abalam com outras perspetivas em mente.
Esta quebra de linhagem rural corre o risco de pôr em causa a continuidade destas vinhas. Como em muitas histórias de final feliz há quem resolva que o destino não tem de ser esse, do abandono desse tesouro e ponha mãos à obra. Um desses heróis é o o enólogo e produtor Pedro Sereno.
Pedro Sereno
Nascido e criado em Tomar, Pedro dedica-se a um projeto em nome pessoal que resgata e valoriza as vinhas velhas desta sub-região DOC Tejo e demonstra, com vinhos de altíssima qualidade, este terroir singular.
Depois de catorze anos como enólogo no projeto familiar Encosta do Sobral, ali mesmo em Tomar, com passagens pelo Douro e Alentejo, entre outros locais, Pedro contraria o fado geracional e aposta na sua terra, que bem conhece.
Este Mestre em Viticultura e Enologia com tese sobre Viticultura (livro) de Precisão (PDF), elegeu pequenos pedaços de terra com vinhas de “boutique”, que encontram-se espalhadas pela região, seguindo a tradição da co-associação tão característica dos minifúndios locais, metidas entre eucaliptos, pinheiros e oliveiras, com muitas em solos de xisto. Pedro está focado em criar vinhos únicos e autênticos, de forte conexão com a terra de onde vêm.
Pedro faz os vinhos “que me dão prazer, que contam histórias, que fazem diferença!”
Nessas mini parcelas, umas arrendadas, outras compradas, assentam videiras com idades compreendidas entre os 30 e os 100 anos. Várias estão cultivadas em modo de sequeiro (cultura agrícola que cresce sem a necessidade de adição de água ao solo por meio de irrigação). Tudo há muito tempo identificado. Pedro, já trabalhava com algumas e de outras já lhes conhecia o valor.
A singularidade de Tomar
Pedro faz questão de destacar as enormes diferenças da zona de Tomar, por exemplo, para as zonas de Almeirim ou do Cartaxo, outras duas sub-regiões do Tejo.
Uma delas, é o conceito de vinha velha. Em Tomar, a vinha velha é mistura de castas e não monocasta como nas outras sub-regiões. Por aqui, nos solos prolifera o xisto, seguido da aluvião e o argilo calcário a uma cota de 300 metros de altitude. Em Tomar não se sente da influência do Tejo, mas da grande massa de água da barragem de Castelo de Bode.
Diz que nas vinhas acima dos 50 anos, há muita Trincadeira, Castelão e Baga. Abaixo dessa idade, já se vê muito Alicante Bouschet que parece ter sido introduzido mais recentemente.
Toda a zona que vai da Serra de Tomar para o lado de Ferreira do Zêzere, é xisto. O património vitícola é completamente diferente. O tradicional ali, é fazer vinho palhete, por isso todas as vinhas velhas têm 60%-70% de branco e 30% - 40% de tinto.
Nas castas brancas com mais de 50 anos, domina a Fernão Pires, a Bical e a Malvasia Fina. “Ultimamente, é comum a Arinto. Antes era a Bical que fazia um pouco o papel da Arinto, no que toca à acidez”. Acrescenta que todo este património está colado à história de Tomar e às personalidades locais relevantes na história do nosso país.
Os vinhos
A partir destas vinhas criou uma gama de vinhos em nome próprio, “Pedro Sereno Vinhas Velhas branco e tinto” e “Pedro Sereno bivarietal”. Este último, é um lote pouco comum de 49% Alvarinho e 51% Encruzado oriundo de uma vinha plantada pelos professores Rogério de Castro e Virgílio Loureiro, nos finais dos anos 1990 mas que se encontrava abandonada, agora arrendada e recuperada.
Já a gama “Pedro Sereno Vinhas Velhas" (branco e tinto), provêm do agregado de vinhas muito pequeninas, numa zona de montanha, do tal minifúndio tradicional vocacionado para olival, para a vinha e silvicultura. Vinhas de várias parcelas, umas viradas a norte e outras mais viradas a sul-poente, “são diferentes, mas que no conjunto funcionam e temos ali condições para fazer coisas espetaculares”.
Como a sua base académica sempre foi a viticultura, entendia cada vez mais o que cada vinha poderia dar, sentindo que algo estava ainda por fazer. E com este projeto pôde fazer coisas “engraçadas”, fazer algo de novo, “sou o primeiro a acreditar nas vinhas e quero mostrar o que elas podem ser”.
Apanhou separadamente as castas brancas e tintas, que se encontram, pela tradição, misturadas e destinadas a fazer palhete, “agora com elas fazemos vinho branco e vinho tinto”. A vinificação é simples. As castas são fermentadas todas juntas, pois “nas vinhas velhas gosto mais de misturar na fermentação do que após a fermentação”. As barricas boas, o estágio longo, mais o necessário tempo de garrafa, são os outros passos de forma de respeitar e interpretar à sua maneira as singularidades desses micro terroirs.
As quantidades são muito reduzidas mas merecedoras de experimentação.
O produtor julga ter conseguido obter uma frescura e uma complexidade pouco comum, “Estou muito contente! Não é o melhor vinho do mundo, mas estamos num patamar elevado que ajudará a elevar a bandeira da região”.
O projeto “Pedro Sereno Vinhas Velhas”, já agrupa vinhos do Douro e Portalegre sob a mesma ideia. Mas a sua “menina dos olhos” é Tomar e as suas vinhas antigas, retratadas através de vinhos de enorme sensibilidade, feitos numa abordagem contemporânea, porém, com toda a clareza e essência de terroir, com muitas histórias para contar.
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