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Nas casas senhoriais e na Corte
Os vinhos produzidos das castas Malvasia eram muito apreciados. Temos os relatos da importância do consumo das Malvasias produzidas na ilha da Madeira, eleitas para a mesa fidalga. No final do século XV, essa produção da ilha já tinha sido registrada e taxada para exportação e o seu consumo era alargado muito para além das fronteiras do Reino. Outras Malvasias, de grande antiguidade, eram consumidas no território português. Algumas tinham origem na zona de Colares (Sintra), onde estavam registadas desde o século XIII e outras eram provenientes das zonas dispersas entre a Beira-Baixa e a Beira-Alta. Aqui, independentemente do valor que lhes foi atribuído nos registos históricos de vitivinicultura, sobreviveram castas que se mantiveram a produzir vinhos muito semelhantes aos melhores vinhos brancos de feição grega.
De Castela e de Aragão também se importavam vinhos para Portugal. Desde o final do século XV e durante todo o século XVI, existe documentação do consumo do célebre vinho branco de Madrigal da casta Verdejo. Esta casta, considerada muito antiga e sem qualquer relação com outras castas homónimas, com uma possível proveniência norte-africana, manteve-se plantada exclusivamente na região do vasto planalto de Rueda.
Castas houve que se expandiram pelo país, mas que se associam a locais restritos onde, durante vários séculos, se produziu o melhor vinho originário dessas castas. É o caso da Bastardo e da Moscatel que estão associadas a produções das vastas granjas, sob a égide das ordens monásticas, em particular a de Santiago, que se estendiam pelas margens do Tejo, na região de Lisboa, e do rio Sado, onde a casta Moscatel, deu origem a vinhos reconhecidamente magníficos, exportados da Península de Setúbal para os mercados do norte da Europa. Quanto à casta Bastardo, foi rainha das charnecas da região de Lisboa e da beira Tejo.
Com origem nas terras altas das montanhas do Jura, a casta estabeleceu-se por cá com a vinda dos cruzados, no século XII. Ficou particularmente famoso o vinho produzido nas quintas do Lavradio, perto do Barreiro, que, provavelmente, era consumido na Corte em Almeirim e em Lisboa, durante o reinado de D. João III e da rainha D. Catarina de Áustria.
Era também exportado, segundo a informação que Duarte Nunes do Leão nos lega, na Descrição do Reino de Portugal de 1610: “[...] os mui celebrados de Alcouchette, e Caparica mui conhecidos dos senhores e homens mimosos de Flandres e Alemanha que os mandam buscar os visinhos e que competem com estes do Barreiro, do Lavradio, do Seixal, de Alhos Vedros”
“Os vinhos muito afamados de Alcochete e Caparica, muito conhecidos dos senhores elegantes da Flandres e Alemanha que os importam, e que competem com os do Barreiro, do Lavradio, Seixal e Alhos Vedros”.
Área hoje parte da Península de Setúbal.
Os vinhos brancos da casta Arinto, ou os vinhos de Azoy (Santa Iria da Azóia - Loures), viajavam bem e existem muitos registos das vastas quantidades de pipas que eram despachadas de barco, especialmente para os portos de Midelburgo na Zelândia, de onde depois ainda seguiam mais para norte.
Também, na Inglaterra, estes Arintos eram muito apreciados, com uma referência curiosa de uma das personagens na peça Henry VI (1613) de Shakespeare a quem é oferecida uma taça do muito desejado “Charneco”, o nome de uma das localidades (Charneca, Vila de Rei) onde se produzia o vinho da casta Arinto de Bucelas.
Em Lisboa eram também apreciados os vinhos dos termos de Alcobaça e de Leiria
Tanto em Alcobaça como na região de Vila Nova de Ourém, de influência marcadamente cisterciense, manteve-se a produção do vinho vermelho ou de mistura que, graças à sua elevada graduação alcoólica, tinha um excelente poder de conservação, mantendo-se fresco e agradável para além de um ano de idade.
Os vinhos do Douro
Desde os finais da Idade Média, os melhores vinhos do Douro eram já bastante valorizados. Em 1532, Rui Fernandes, feitor do rei na cidade de Lamego, escreveu o trecho que melhor documenta a produção vitivinícola do território em redor desta cidade. Realça a excelência dos vinhos e a capacidade de eles envelhecerem quatro, cinco, seis e mais anos, tornando-se melhores e mais “cheirosos”.
Vinhos de Carregação
Já eram indubitavelmente vinhos de vocação mercantil, surgindo em vários documentos do século XVI, com a designação de “vinhos de carregação”er am servidos nas mesas da Corte e das casas senhoriais tanto de Portugal como de Castela. À época, demarcam-se duas zonas produtivas: Riba de Pinhão e Vila Real, que ainda antes do final de Quinhentos, encaminhavam para a cidade do Porto “vinhos limpos e doces” para serem exportados.
Rui Fernandes descreve, aludindo também aos tipos e formas de condução das vinhas de entre o Douro e Minho. Destaca-se a casta Loureiro, originária de entre os rios Lima e Cávado, que, entre outras já utilizadas na zona dos vinhos verdes, e a partir do século XVI, manteve-se em plantações apoiadas nos troncos e ramos das árvores para dar lugar, nos terrenos em baixo, à extensa cultura do milho trazida do continente americano. Desta forma, saiam “[...] muito más uvas e o vinho destas val menos preço do vinho bom ametade [...]”. O mesmo não se podia dizer da produção em redor do rio Minho, o vinho que cruzava o sabor e o saber fazer das terras fronteiriças, denominado de Ribadavia (Galiza).
“Uvas de muito má qualidade e que valem menos de metade do vinho bom."
Tinha fama para além da Península Ibérica e em 1522, Gil Vicente no Pranto de Maria Parda, descreve, através das palavras da personagem principal que deambula pelas tabernas de Lisboa, a diferença das qualidades do vinho produzido nestas duas regiões tão próximas.
“Ao homem de entre Douro e Minho não lhe darão pão nem vinho / de quem for de Ribadavia trata-o com carinho, como bom vizinho.”
Meados do século XVI
Na realidade, a partir de meados do século XVI, independentemente dos gostos e dos hábitos dos consumidores, o sector vitivinícola foi obrigado a evoluir embora de forma não linear. A primeira mudança dever-se-á à crise que profundamente afetou a agricultura em Portugal e a consequente “reconversão” da vinha que irá desencadear uma nova abordagem no fabrico do vinho e a criação de novos néctares.
fenômeno expansionista português
Uma outra fase, vai, entretanto, acompanhar o crescimento demográfico e o relativo desenvolvimento económico na exportação devido ao fenômeno expansionista português, o que irá fazer aumentar as produções e dar origem ao vinho feito “a granel”. Ainda é de salientar que, com a entrada da dinastia dos Habsburgo, novas castas vieram a fazer parte das variedades plantadas em solo nacional. As castas Tempranillo e Graciano, embora com outros nomes, fazem hoje parte do vasto património da viticultura em Portugal.
Excerto da Obra: Crespo, H. (2018), À Mesa do Príncipe. Jantar e Cear na Corte de Lisboa (1500-1700). Lisboa: Norprint-Casa do Livro
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