Entre a tradição e a modernidade ao serviço do vinho
O decanter ou decantador, embora seja uma peça de beleza indiscutível, pode muitas vezes intimidar. No entanto, a sua utilização, numa decantação de um vinho, pode ser muito gratificante.
Quando executada de maneira adequada, a decantação de um vinho tem o potencial de elevar até mesmo a experiência de beber um vinho mais simples.
Mas não deixa de ser uma das operações do serviço e do consumo de vinho mais discutidas. Há adeptos de um lado, os céticos do outro e outros tantos argumentos esgrimidos. Esta discussão atravessa ciclos de gosto do consumidor, diferentes épocas na produção de vinhos, assim como um certo valor experiencial.
A palavra “decantação” tem abarcado duas acções: a separação de alguns inofensivos sedimentos ou depósitos presentes na bebida, por via da passagem desse vinho da garrafa original para o decanter; e a acção de arejar o vinho.
Historicamente, a “decantação” está muito associada ao Vinho do Porto Vintage antigos e envelhecidos por muito tempo em garrafa e aos vinhos tintos estagiados e/ou robustos, menos aos vinhos brancos e recentemente usada até nos espumantes mais velhos.
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A motivação original por trás da decantação estava na separação do líquido dos sólidos suspensos na garrafa. Já usada na alquimia, a palavra “decantar” era utilizada para descrever o processo de remoção da parte líquida de uma mistura dos sólidos.
No serviço de vinho em restaurantes, a decantação pode ter uma função estética. Valoriza a experiência do cliente, um aspecto muito estudado em marketing atualmente. Além disso, pode servir como ferramenta para a fidelização do consumidor.
Ninguém fica indiferente ao seu vinho ser servido com “pompa e circunstância” por um decanter, assim como assistir à execução da operação.
Para realizar essa operação, existem decantadores feitos de diversos materiais, alguns mais nobres, outros menos, com variação de custos. Entretanto, o aspecto fundamental é escolher um formato que se adeque às características específicas do vinho em questão.
As tipologias de vinho e a decantação
A prática da decantação tem acompanhado as mudanças nos gostos dos consumidores e nas tipologias de vinho ao longo do tempo. No passado, quando os vinhos eram produzidos com técnicas menos avançadas e havia uma cultura de consumo que valorizava vinhos mais envelhecidos, a decantação desempenhava um papel essencial. Era fundamental para separar os sedimentos e melhorar a experiência de consumo desses vinhos.
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Com a evolução das técnicas de vinificação, surgiram vinhos mais limpos, filtrados e estabilizados, pensados e prontos para o consumo imediato, tornando a decantação desnecessária para a maioria deles. No entanto, atualmente, observa-se um retorno a conceitos inspirados em métodos tradicionais, muitas vezes chamados de "modernos". Entre eles, estão vinhos brancos de curtimenta, fermentados em ambiente redutor com borras finas, trabalhados em barricas ou em recipientes de cimento, ovos ou esféricos, além de vinhos feitos em talhas de barro e fermentados com engaço.
Esse regresso a estilos tradicionais inclui os apelidados “vinhos naturais” e "Orange wines", que frequentemente apresentam características que voltam a justificar a decantação. Seja para separar sedimentos ou para promover o arejamento cada vez mais indispensável (não pondo, por agora, em causa as virtudes ou deméritos dessa necessidade). O certo é que a prática da decantação recupera alguma relevância, adaptando-se às exigências desses vinhos contemporâneos e dos seus apreciadores.
A decantação, mais do que uma prática estética ou funcional, é um reflexo das evoluções do vinho e dos gostos dos consumidores.
Enquanto acompanha o retorno de estilos tradicionais e modernos, esta técnica continua a ser debatida e redescoberta. No próximo artigo, exploraremos como escolher o decanter ideal e as nuances de sua aplicação em diferentes tipos de vinho. Afinal, o universo do vinho ainda está repleto de camadas a desvendar.
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