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Viagens de um dia desde Lisboa: Quinta do Casal Branco, Tejo

Fomos vindimar a casta Fernão Pires no Tejo.

Depois de uma fácil hora de carro desde Lisboa, e saciar nossa sede com um copo de vinho branco, segurando-nos bem das sacudidas dentro ao jeep todo-o-terreno ao passar por terreno duro e seco que levanta uma densa poeira devido à prolongada falta de chuva que legenda o ano de 2022.

Quinta do Casal Branco, Tejo, Portugal

Circulamos pelo meio do vinhedo da Quinta do Casal Branco, histórico produtor da região vitivinícola do Tejo. Ao volante a enóloga da adega, Joana Lopes, para quem toda esta agitação é rotineira. Agora é ainda mais intensa. É época de vindimas.


Vindimas cirúrgicas e vinha velha

Estamos a meio de agosto e Joana já tem boa parte da vindima feita. Ela decide a vindima por critérios, tais como o talhão de determinada parcela, o grau de maturação e, mais importante, o índice de acidez, tendo em vista o tipo de vinho a que se destinam essas uvas. Para os vinhos topo de gama, as uvas têm residência fixa em parcelas há muito definidas. Apesar do racional de todas estas decisões, percebe-se o bom e saudável equilíbrio entre a “arte” e a ciência.


Vamos a caminho de uma vinha da casta branca Fernão Pires, que será vindimada por nós. É uma das raras e muitos especiais vinhas velhas de Fernão Pires na região do Tejo, com 60 anos. Estas foram das vinhas que melhor aguentaram o calor e a seca que se fez sentir em 2022. As vinhas velhas nem sempre se aguentam, mas devido à maior profundidade das suas raízes alcançam a argila das camadas mais fundas do subsolo, debaixo da areia superficial, onde se conservam nutrientes e humidade em reservas de água mais acentuadas que ajudam a planta a defender-se.


Apesar de toda a estima pelas vinhas velhas, ao longo do percurso são evidentes as muitas zonas onde faltam videiras. Joana diz-nos que algumas das suas vinhas velhas já não são rentáveis devido a enfermidades múltiplas, à produção microscópica e ao elevado custo de mão-de-obra, levando a que tenham de ser arrancadas e substituídas por outras de material genético igual, já perfeitamente adaptada ao meio ambiente. E, no fundo, assegurar a continuidade da essência do vinho a produzir.


Ainda assim, a Quinta de Casal Branco nos seus 119 hectares de vinha, preserva vinhas velhas centenárias destinadas ao vinho topo de gama Falcoaria Grande Reserva Tinto. No caso do Fernão Pires, a vinha mais nova tem 60 anos e a mais velha tem 70 anos. É destas vinhas que são colhidas as uvas para o seu vinho branco ícone, o Falcoaria Vinhas Velhas Branco.


Vinha abalada pelo escaldão

O ar tórrido que percorreu as vinhas funcionou como um maçarico que foi esturricando cachos na vinha, em especial os de menor proteção foliar que estão posicionados sob influência da luz direta do sol e da aragem escaldante.

É o chamado efeito escaldão, em que o ar quente e a falta de humidade noturna faz com que os bagos desidratem e mirrem. A aplicação de um “protetor solar” tentou atenuar os efeitos do calor e dos raios solares. É um “protector solar” chamado caulino, (argila esbranquiçada) que é borrifado ou pulverizado sobre as folhas, formando uma película branca que reflete a luz e protege a folha do excesso de radiação. Deste modo reduz-se o impacto do calor e da seca nas vinhas. Tem o mesmo efeito do protetor solar usado para proteger a pele humana quando esta se encontra exposta ao sol, como acontece ao ir à praia.


Outro dos efeitos da aplicação do caulino, é o de diminuir a temperatura da folha que envolve e sombreia o cacho, evitando os bagos de serem queimados. Esta aplicação deve ser usada como método preventivo, antes da ocorrência de condições de “stress”.Normalmente, a primeira aplicação deve ser efectuada em finais de Maio ou princípio de Junho. A aplicação deve efectuar-se com a folhagem seca, caso contrário pode obter-se uma cobertura fraca e má aderência do produto. As aplicações posteriores, dependem das condições climatéricas e da qualidade e intensidade da película de caulino que permaneça nas plantas. Efetua-se uma segunda aplicação passados 30 dias, podendo este prazo ser aumentado ou reduzido em função das previsões meteorológicas.

É doloroso ver tantos cachos esturricados e outros queimados pela metade, na face exterior, mais a descoberto.

Mesmo assim, é doloroso ver tantos cachos esturricados e outros queimados pela metade, na face exterior, mais a descoberto. A consequência natural seria quebra na produção, devido à fruta queimada, inoperacional, e ao escaldão que fez a planta interromper o seu ciclo vegetativo, para sua autoproteção, e gerar bagos muito pequenos que dão menos sumo. No entanto, na região do Tejo, a boa floração e bom índice de frutificação, entre maio e junho, possibilitaram o aumento de produção na ordem dos 5%, em comparação com o ano 2021.


Tesouradas para a prensa

De tesoura em riste demos início à colheita das uvas para o “nosso” vinho, um Vinho Abafado ou Abafadinho, o que designa um vinho em que após ligeira fermentação, é “abafado” com aguardente vínica impedindo que continue a fermentar, ficando assim uma quantidade de açúcar residual muito grande e teor alcoólico entre os 17%-20%.



Cada um de nós, vindimadores ocasionais, encheu de uvas caixa depois levada para a moderna adega equipada com tudo o que é de mais atual. Mas as nossas uvas tinham outro destino. Nada dessas modernices. Foram despejadas para uma prensa antiga e bem tradicional movida à força de braços como faziam os antigos. O suave rodar do parafuso da prensa espremia delicadamente os bagos do qual saía o sumo conduzido para uma barrica muito velha onde irá fermentar e estagiar dando origem a um tipo de vinho inexistente no produtor. O vinho mais semelhante a um Vinho Abafado que a Quinta do Casal Branco produz, é apenas um dos melhores Late Harvest que se faz em Portugal, o Falcoaria Colheita Tardia 2016, feito com Viognier e Fernão Pires.



Um dia em cheio! Pleno de informação, Um dia para tomar o pulso a uma região que não se tem deixado a adormecer, está atenta, que enfrenta uma ideia desatualizada sobre ela mesma, com renovação, energia e conteúdo. O património, gastronomia, território, cultura, terroir, castas, qualidade, está lá tudo!


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