Pedimos ajuda aos enólogos, Nuno Martins Silva e Luis Gomes, para nos ajudar a compreender algumas das técnicas usadas na elaboração de vinhos.
O que é a fermentação maloláctica (FML)?
A FML é a conversão do ácido málico em ácido lático e dióxido de carbono. Sendo o primeiro um ácido mais forte do que o segundo, podemos falar em desacidificação natural do vinho. É desencadeada por bactérias láticas existentes nas nossas adegas.
Os vinhos tintos e os vinhos brancos passam por ela?
Todos os vinhos com ácido málico podem desencadear a FML, embora seja mais desejável em vinhos mais ácidos, em particular nos vinhos tintos provenientes de regiões mais frias. Nuno, rejeitando qualquer forma de absolutismo, reconhece que nos vinhos brancos é menos comum que nos tintos. Quando o produtor ou enólogo entende que não é desejada, a FML pode ser inibida com aplicação de frio, SO2 ou filtração esterilizante.
Em prova, como se pode dizer que um vinho teve fermentação maloláctica?
Durante a FML há produção de algumas moléculas voláteis, nomeadamente o diacetil e acetoína, que resulta no aparecimento de algumas notas láteas e amanteigadas. A FML reduz a acidez e consigo traz redondez, corpo e cremosidade, ou seja, ficam mais redondos e macios em prova de boca.
Quais são as vantagens e/ou desvantagens?
A principal vantagem é a estabilidade microbiológica do vinho, eliminando a possibilidade da FML ocorrer em garrafa com consequente produção de CO2, tornando o vinho gaseificado. É também vantajosa para vinhos excessivamente ácidos, tornando-os mais redondos e macios. Quando bem conduzida e adequada pode potenciar a matriz sensorial do vinho, aumentando a complexidade aromática tanto em vinhos tintos como em brancos.
Para Luís, a principal desvantagem é poder tornar o vinho menos fresco e mais “chato”, principalmente em vinhos oriundos de regiões mais quentes onde a acidez natural dos vinhos é já, à partida, mais baixa. Nuno acrescenta que pode levar a eventuais desvios sensoriais, e em vinhos que não apresentam atributos para a FML (particularmente em brancos, rosados, palhetes conduz a vinhos unidimensionais do ponto de vista táctil.
Como é que se pode distinguir um vinho branco que teve envelhecimento em barrica da fermentação maloláctica?
O estágio em barrica, quando esta é de qualidade, é um garante na produção de grandes vinhos do mundo, muito devido à microoxigenação e à extração de taninos e compostos aromáticos que a barrica proporciona. Na opinião dos técnicos, quando a FML ocorre em barrica, eleva o vinho a um patamar ainda superior, pois há uma melhor integração da madeira do que quando o vinho é colocado em barrica apenas após a conclusão da FML, resultando em vinhos mais complexos, harmoniosos e com mais camadas. Eleva a tridimensionalidade táctil do vinho. Por si só, a FML confere aos vinhos notas lácteas e amanteigadas, ao passo que a barrica confere notas de especiarias como a baunilha, couro, cedro, entre outros. Luís Gomes diz que todos os vinhos Giz (os vinhos que produz na Bairrada) tintos fazem a FML integral em barricas de madeira de carvalho francês. Nuno chama a atenção que nem todos os vinhos e estilos de vinho aguentam com FML, mas quando têm capacidade para a suportar.
Há regiões em PT que tradicionalmente têm tendência a utilizar mais Fermentação Maloláctica do que outras? Em caso afirmativo, quais?
As regiões mais frias são tradicionalmente aquelas onde é mais comum realizar-se a FML em vinhos brancos. Embora haja produtores que pretendem exaltar a frescura dos seus vinhos, inibindo a FML. Deduz-se que a região dos Vinhos Verdes, Bairrada, Lisboa, Beira Interior e Dão, onde a acidez é mais vincada, serão aquelas onde será onde se poderá encontrar vinhos com FML realizada, ao passo que em regiões mais quentes como o Alentejo e Douro será menos comum. Em vinhos tintos ainda é prática comum realizar-se FML em todas as regiões portuguesas embora, fruto do aquecimento natural, haja já produtores a inibir a FML em alguns dos seus vinhos tintos.
Com castas específicas? Em caso afirmativo, quais?
Existem algumas castas para as quais, tradicionalmente, é mais comum realizar-se a FML, como por exemplo a Bical ou a casta internacional Chardonnay. Noutras, por norma, mais aromáticas, como por exemplo a Maria Gomes ou as castas internacionais Sauvignon Blanc e Riesling. É menos frequente realizar-se a FML, com vista à preservação da sua identidade varietal. Nuno acrescenta que, teoricamente, as castas com mais acidez, ou regiões que potenciem a acidez de determinadas castas como a Arinto, Maria Gomes, Encruzado, Alvarinho e Síria.
Manuel Moreira recomenda:
Comments