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Combinações Inusitadas: Sushi e Moscatel de Setúbal. Parte 2

Ao harmonizar vinhos doces fortificados, é necessário considerar uma série de fatores. Isso inclui o impacto do teor alcoólico dos vinhos, o elevado nível de açúcar e o equilíbrio com a acidez, os efeitos do longo período de maturação, a intensidade e duração dos sabores, e, por último, o ajuste da persistência dos sabores. A forma do copo e a temperatura de serviço do vinho e da comida, são ferramentas indispensáveis ao sucesso das harmonizações. Do lado do prato, importa a intensidade de sabor a pedir meças à do vinho. Texturas e consistências para fazer face ao glicérico adocicado e generosidade alcoólica. E por fim, que o sabor perdure o suficiente e não fique subjugado ao álcool.  



Resumo das harmonizações


1º Momento


Engarrafado em 2017, feito de colheitas de 1999 a 2012. As de 2006 e 2012 estão em menor quantidade. Todas foram mantidas em barris de carvalho francês até o engarrafamento.


Ostras com kimuchi, yuzu, ponzo e togarashi
Ostras com kimuchi, yuzu, ponzo e togarashi

Ostras com kimuchi, yuzu, ponzo e togarashi

Os cítricos e caramelizados do prato colaram à laranja e mel do vinho. O caldo susteve o corpo do vinho e o picante muito equilibrado a equiparou-se ao final. Uma certa salinidade do vinho e agradável acidez deixaram a ostra exibir os seus créditos.

 

Tártaro de atum
Tártaro de atum

Tártaro de atum

A suculência do tártaro assentou e preencheu a envolvência do vinho. A acidez quase que serviu de tempero ao prato. O ponto menos ligado foi a relação com o picante, que prevaleceu e acentuou levemente o álcool.

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2º Momento


Fusão de colheitas de 1990 a 2010, com menor quantidade de 1995 e 2001. Todas ficaram em barris de carvalho francês até serem engarrafadas em agosto de 2016.


Tempura de camarão em folha de soja e maionese spicy
Tempura de camarão em folha de soja e maionese spicy

Tempura de camarão em folha de soja e maionese spicy

Viveu-se aqui um cenário de contenda de estaladiços e crocâncias a resultar muito bem. A textura da tempura misturada com o sabor levemente adocicado do camarão, abarcam o peso e espessura do vinho. Somando à relação bem sucedida entre o brilhantismo aromático do Moscatel e o spicy da maionese, o saldo é totalmente favorável.

 

“Hot tuna” com cebola crocante

Estruturalmente uma harmonia com muitos pontos de contato com o da tempura. Suculências e crocâncias a temperar o corpo do vinho. O calor do “hot” exigia abaixamento da temperatura do vinho, obtida com atempada reposição. Só a fritura da cebola, um tudo nada mais gordurosa, destoaria, sem lesar o vínculo.

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3° Momento

 

Este vinho é uma mistura de colheitas de 1997 a 2011, que ficaram em barris de carvalho francês até serem engarrafadas em junho de 2016.


Carpaccio de robalo com Ponzu Trufado
Carpaccio de robalo com Ponzu Trufado

Carpaccio de robalo com Ponzu Trufado

Se aqui subimos um patamar na profundidade e nos níveis de complexidade do vinho, o prato saiu melhor que o esperado. Temia-se que a finura do corte e da delicadeza do peixe ficassem subjugados pelos sabores do prato e do vinho. O corpo e maciez do Moscatel teve interlocutor à altura no robalo, subtil, mas de carnuda firmeza. O caramelizado agri-doce do ponzu trufado fez acordo inabalável com o maior nível de concentração do vinho. Sem temores bateu-se com o charuto e o nougat deste. Bem visto! E a temperatura a rondar os 12º C que tanta ajuda deu.

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4° Momento

 

Quando fez 63 anos, Dr. Adriano Tiago premiou-se a si próprio e concebeu este complexo e profundo Moscatel de Setúbal. Composto pelo vinho mais antigo, 1990, e 1999, assim como pequena percentagem dos vinhos dos anos de nascimento das três netas, 2005, 2007, 2011. Engarrafado em 2015.


Tempura de Caranguejo
Tempura de Caranguejo

Tempura de Caranguejo

Talvez a ligação menos conseguida. Não é fácil até este 4º momento conseguir não repetir pratos e técnicas. Ao mesmo tempo, não perder de vista o vinho, mais e mais rico e complexo, à medida que nos aproximamos do final do jantar. O sabor adocicado e suave do caranguejo esteve em patamares abaixo da intensidade e concentração do vinho. A tempura e a sua suculência e mastigação não se renderam sem dar luta. O molho de densidade moderada foi preciosa ajuda. Mas no final, o vinho seguiu por ali fora, altivo. Mas no final das contas, houve um bom percentual de harmonização. Não era tarefa fácil.

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5° Momento

 

Moscatel de colheita única, o primeiro nascido na era Tiagos Moscatel, permaneceu em barricas de carvalho francês com capacidade de 300L, até ao seu engarrafamento em Junho de 2017. O mogno da cor, denso, antevia a riqueza e concentração. Não defraudaria. Notas de torrefação (café e chocolate), caramelizados, goiabada, verniz a provar a idade, amplitude inequívoca e longo e persistente final.  Tudo impressionante, tal como se mostrou marcante a tenacidade da acidez, que nunca se deu como derrotada pela grandiosidade do vinho. Aliás, ela é a protagonista central dessa magnificência. Os pratos desenhados para ir com ele, revelam bem essa percepção. 

 

Nigiri de Atum (esquerda) e Gunkan de Atum (direita)
Nigiri de Atum (esquerda) e Gunkan de Atum (direita)

A explosão de sabores e suculência deste prato constituíram o pilar estrutural para a harmonização. Não há dúvidas que a escolha do foie gras foi fulcral, para encarar a densidade e caramelizados do vinho. Na leitura feita pela equipa do restaurante, a Trufa Negra foi o trunfo que igualaria a profundidade aromática do Moscatel de 1990. A assim foi. Salgados, gordura e crocâncias, outros benfeitores no sucesso da harmonia.

 

Gunkan de Atum e Foie Gras

Apontando ao vinho, o racional desta preparação seguiria orientações idênticas para o Nigiri de Atum com Foie Gras e Trufa Negra. O “torrado” mais acentuado que na outra confeção e o mais elevado nível de estaladiço, demonstrou a perícia de, com os mesmos ingredientes, baralhar e dar de novo sem nunca perder o sentido da harmonização com o vinho. Bem jogado!

 

Harmonizar sushi e sashimi com Moscatel de Setúbal, poderia soar a coisa sem pés e pouca cabeça. Na verdade, este jantar, mostrou que uma leitura atenta e cuidada na interpretação do vinho, dos ingredientes e confecção, alarga horizontes e empurra o assunto para novas fronteiras.



Aqui nos aventuramos a explorar, cimentado em ponderação e experiências, caminhos menos batidos. E vocês, já se surpreenderam com harmonias que quebram regras?

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