Teria de acontecer e aconteceu mesmo. Desde 2018 que Giscard Müller, um dos sócios do restaurante de cozinha nipónica Hiroo Sushi, aliciava o Dr. Adriano Tiago, produtor do Tiagos Moscatel, para um jantar que uniria o Moscatel de Setúbal à cozinha nipónica. Só este propósito, desafiador das normas por quem não se esconde no conforto do que é seguro e previsível, o tornava aliciante.
Evidentemente não será o histórico vinho fortificado, produzido na zona de Palmela, a escolha mais natural e intuitiva para harmonizar com este tipo de culinária. Mas esse é o desafio no qual a equipa do Hiroo tem ganho rodagem com outros eventos similares, e todos, bem sucedidos, diga-se.
Curiosamente, visto por outro ângulo, é um reencontro contemporâneo das afinidades iniciadas em 1543, aquando da chegada dos primeiros aventureiros lusos ao Japão. E, especulando um pouco, não custa nada imaginar que até mesmo o Moscatel de Setúbal, nas suas célebres viagens pelo mundo, lograsse ter tocado solo nipónico.
Dr. Tiago é um cliente regular do Hiroo Sushi. Giscard ficou a saber, por um amigo em comum, que era produtor de Moscatel de Setúbal. Para seu desalento, não vendia o vinho. Não que o não quisesse. O vinho não estava pronto. Ainda precisava de tempo, até chegar ao momento certo. Dr. Tiago sempre ouvira dizer que “a maioridade só se atingiria aos 27 anos”. Por isso, só aos 27 anos de estágio é que meteria no mercado o Moscatel. Após tanta insistência de Giscard, lá acedeu e ofereceu-lhe duas garrafas para que este parasse de o “chatear”.
Mais tarde, foi acordado um jantar de “retribuição” pela gentileza. No final da refeição Giscard disse ser altura de surpreender o Dr. Tiago, ao que este pensou “olha agora vai me surpreender com o meu moscatel!”.
Ao ser posto o seu Moscatel de Setúbal a acompanhar o que tinham na mesa, este ficou “estupefacto” – palavras suas - “Não fazia a mínima ideia que pudesse ter Moscatel de Setúbal à mesa a acompanhar uma refeição”.
A partir desse momento, foram conversando para tentar pôr em prática este jantar.
Tiagos Moscatel
Quando em 1980, Dr. Tiago, médico fisiatra natural de Óbidos e esposa, originária de Palmela e farmacêutica, foram viver na Quinta S. Tiago, em Palmela, deram continuidade à tradição familiar vinhateira de gerações, ligada à vinha, ao vinho e às aguardentes. Apesar de ter uma profissão distinta, não quis deixar cair a tradição e decidiu pegar no Moscatel de Setúbal. Mas não tinham a menor noção de como era atividade agrícola e vitícola. Foi o pai de Tiago quem plantou a quinta e em 1985 começaram a produção.
A partir de 1990 começou a constituir as reservas do seu vinho. Essa é também a colheita mais antiga que possui. A partir daí, seguiram-se as de 91, 92, 93, e por aí fora. A gama é feita de blends e vinhos de uma só colheita. E após todo este tempo, já lhe é possível garantir que o de 1993 é o seu melhor Moscatel de Setúbal.
Com aproximadamente 0,7 hectares de vinha, orgulha-se de possuir o único Moscatel de Setúbal da zona de Palmela. A vinha, localizada em solos argilo-calcários, está situada, precisamente, dentro desta vila.
Tudo é meticulosamente preparado de acordo com suas preferências. E feito no seio familiar. Tiago passa o tempo adequado na adega, acompanhando as várias etapas de evolução e envelhecimento dos vinhos para obter o resultado desejado.
No nosso próximo artigo, descreveremos em pormenor cada um dos cinco "momentos" desta refeição inesquecível e discutiremos os principais factores a ter em conta na harmonização de alimentos com vinhos doces fortificados.
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