Será que todos os vinhos e ingredientes encontram, com maior ou menor dificuldade, as suas “cara-metade”? Acredito que sim.
Mas também há alguns ingredientes que dão origem a problemas e desafios na ligação com o vinho. Um desses “vilões” são os ovos.
Muitos manuais sobre o assunto da harmonização dizem que os vinhos não funcionam com ovos. Mas será que é mesmo assim?
Os ovos, apesar de serem muitas vezes os protagonistas, cozinhados de inúmeras formas, tem uma versatilidade na cozinha que é quase impossível fugir. Cremes ou aveludados, bolos, salgados e massas frescas, soufflés e tartes são apenas algumas das preparações que não seriam as mesmas sem eles. O ovo não se contenta em ser um ingrediente insubstituível em muitos pratos, desde as entradas às sobremesas, mas é também a base de certos molhos, sobretudo a maionese, que acompanham massas e arroz, carne, peixe e legumes.
A untuosidade, a suculência e a oleosidade, a aromaticidade e a persistência gustativo-olfativa, são sensações que, de forma mais ou menos pronunciada, podem ser percebidas na degustação do ovo em função do método de cozedura utilizado.
E realmente a situação complica-se devido ao caráter “escorregadio” de uma gema de ovo que pode fazer com que um vinho, particularmente o tinto devido ao tanino, fique com um sabor metálico. Além do mais, devido à sua consistência, a gema de ovo reveste o interior da boca, bloqueando o desempenho das papilas gustativas. Em particular, as preparações como ovos estrelados ou escalfados que usam gema crua podem ter esse efeito.
Mas tudo muda de figura noutras preparações em que o ovo é integrante de uma guarnição, caso da açorda de camarão, das ervilhas com ovos escalfados ou de uma quiche de salmão. Já haverá melhor integração dos elementos do vinho com a comida.
O mesmo se passará com uma tortilha ou omelete complementadas de vários ingredientes. Em todo o caso, para estes pratos mantenha guardadas as preciosidades da garrafeira e dê prioridade aos vinhos de estilo mais simples e versátil.
Algumas Orientações
Ovos nos molhos ou soufflé têm nos vinhos brancos arredondados e com alguma opulência frutada, bons aliados sem necessidade de recorrer a vinhos de maior gabarito.
Rose
Os rosés, na atualidade, são fortes candidatos pelos atributos acima mencionados. O ideal, genericamente, será apelar a vinhos de evidente intensidade aromática, de boa frescura (sem acidez em demasia), de corpo moderado e envolvente.
A casta Fernão Pires, Antão Vaz, Malvasia Fina, Vital e Chardonnay, como referência.
Vinho Branco
Brancos com algum trabalho com barrica, de volume e textura ampliada, são bastante úteis. Menos útil, se a receita usar um ovo de codorniz estrelado a “cavalo” de um bife com boa batata frita. Aqui o tinto tem mais a dizer.
Vinho Tinto
Na relação vinho com ovo, se a opção for tinto, o ideal são vinhos tintos jovens, frescos, sustentados na fruta, de taninos macios e com toque de acidez. Vinhos a partir de Aragonez (aka Tinta Roriz ou Tempranillo), Tinta Barroca, Bastardo, Jaen, Merlot de pouca extração são bons padrões, assim como os Palhetes, são algumas das possibilidades.
Se o ovo não tiver papel muito preponderante, o tinto já poderá ser mais ambicioso e escolhido de acordo com a composição geral da receita.
Solução interessante e saborosa para alguns tipos de preparações de ovos será o recurso a ingredientes como cogumelos, bacon frito, chouriço e até vinho na confeção do prato. Aí, o ingrediente ditará a tipologia de vinho a usar. Nestes casos, já poderemos considerar vinhos com mais estágio, com presença de madeira e alguma complexidade aromática.
Vinhos Generosos
Algumas experiências desafiantes, mas não desprovidas de sentido, para combinar com preparações que contenham ovos são os vinhos generosos de pendor seco a meio seco, em especial o Vinho da Madeira, o Vinho de Carcavelos e o Vinho Porto Branco seco. Nada que seja de muito especial. Mas com alguns atributos e qualidade. A suavidade e o glicerinado do álcool conseguem envolver e acomodar a textura e consistência do ovo. E igualam perfeitamente a persistência.
Espumantes
Os espumantes serão, inevitavelmente, forte opção a considerar, pois o gás carbónico possui a faculdade de desfazer e desembaraçar o efeito de revestimento do ovo nas papilas gustativas. Como sempre, prova ser a mais versátil tipologia de vinho. Os de pendor frutado, jovial e com menos notas de “brioche ou panificação”, serão os mais acertados.
Dizer que o ovo não funciona com vinho, é genérico e pouco exato. De facto, algumas preparações com ovos onde este é demasiado preponderante, poderão ser menos favoráveis a uma boa relação com vinho. Mas quando o ovo é parte integrante e não dominante, avance sem receios e deixe-se levar pela criatividade e verá que, facilmente, conseguirá uma feliz harmonização.
No próximo post, apresentaremos alguns pratos com os nossos vinhos sugeridos.
Fique atento!
Comentarios