A história da casta Touriga Nacional é marcada por reviravoltas emocionantes. De uma reputação inquestionável, a devastadora chegada da filoxera quase a levou à extinção nas vinhas. Felizmente, foi resgatada e desempenhou um papel crucial na revolução que transformou o vinho de mesa em Portugal desde os anos finais da década de 1980. A Touriga Nacional emergiu como uma casta proeminente e encontra-se nas vinhas e nos copos por todo o país.
A Touriga Nacional é a casta bandeira dos tintos portugueses. Todos a querem, no entanto, essa realidade nem sempre foi assim.
A Historia
Acredita-se que a Touriga Nacional seja uma variedade de uva de origem portuguesa, e que o Dão é a sua origem, onde apresenta uma notável diversidade genética, superando a encontrada no Douro e supõe-se que o seu nome tenha surgido na aldeia de Tourigo, localizada entre os distritos de Viseu, Santa Comba Dão e Tondela.
Mencionada desde 1790, a Touriga Nacional recebeu elogios do Barão de Forrester (1809-1861) e Visconde de Villa Maior em 1870, reconhecendo-a como a casta responsável pelos melhores vinhos de Portugal. Além de brilhar por si só, esta casta está na origem de outras variedades, servindo como um dos progenitores da Touriga Fêmea, Touriga Franca, Tinta Barroca e Tinta da Barca.
Após a devastação da filoxera, a Touriga Nacional enfrentou um declínio acentuado. Em causa, o baixo rendimento das vinhas, o que, em grande parte, pode ser atribuído à utilização inadequada de porta-enxertos na replantação dos vinhedos após o ataque da filoxera.
De nada valeria o prestígio do passado antes do pulgão. Por exemplo, a área de Touriga Nacional no vale do Douro, registava menos de 1% durante a década de 1970. E no Dão, gradualmente, a Touriga Nacional foi cedendo lugar a outras castas mais produtivas.
Na década de 1980, o trabalho de vários investigadores no Douro e no Dão, salvou a casta da extinção. Em 1981, José António Rosas e João Nicolau de Almeida iniciaram um trabalho de microvinificação para identificar as melhores castas para o vinho do Porto. Depois de muito testar, selecionaram cinco castas, sendo uma delas a Touriga Nacional.
Em 1985, um ambicioso programa de plantação e reestruturação de vinhas incluiu a Touriga Nacional. Antes disso, não era raro as videiras desta casta produzirem menos de 0,8 kg por planta. Através de intensa pesquisa, foram desenvolvidos clones capazes de alcançar, em certos casos, cerca de 1,5 kg por planta.
Apesar do risco da seleção clonal se focar no rendimento e poder descurar material genético de alta qualidade, vários produtores preferem plantar uma seleção dos melhores clones para terem uma certa diversidade e obterem melhores resultados.
Apesar do potencial risco de que a seleção clonal priorize o rendimento em detrimento da qualidade genética, muitos produtores optam por plantar uma combinação dos melhores clones, procurando uma certa diversidade que resulte em melhores desempenhos, num equilíbrio entre quantidade e manifestação de carácter.
Hoje há uma grande variedade de clones de Touriga Nacional. Por exemplo, numa vinha experimental da Quinta da Leda, no Douro, existem 197 clones distintos da casta. Todavia, para uso comercial existem 7 clones certificados.
Entretanto, a Touriga Nacional foi recuperando a sua área plantada, inicialmente no Cima Corgo, depois no Douro Superior. Beneficiando da explosão dos vinhos tranquilos na região, viajaria para outras partes do país e tornava-se a casta bandeira da região e do país.
E foi no Dão que em 1989 surgiu o primeiro vinho do Dão a ostentar Touriga Nacional no rótulo. Nessa época, o Dão experimentava um renascimento. À medida que certos produtores alcançavam sucesso, o interesse dos consumidores por vinhos crescia, o que impulsionou a aposta crescente na Touriga Nacional. Por volta de 1995, novos players surgiram e conquistavam a atenção dos apreciadores.
Apesar de se encontrar o nome da casta mencionado em muitos contra rótulos, naquela época, a área de vinha cultivada com Touriga Nacional ainda representava menos de 1%.
"Chegou a ser dito a Touriga Nacional é a casta mais plantada nos contra rótulos"
Desde o início dos anos 1990 até hoje, o aumento das plantações é notável. Em 2021, segundo dados do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), a Touriga Nacional ascendeu à posição de terceira casta mais cultivada em Portugal, ocupando pouco mais de 13.066 hectares (7% do total nacional). A região do Douro lidera as plantações com aproximadamente 4.975 hectares, seguida pelo Dão (3.985 hectares) e o Alentejo (1.561 hectares).
Na Vinha e na Adega
Atualmente, a Touriga Nacional está em todas as regiões, por a quererem muito, devido à capacidade de produzir excelentes vinhos em qualquer região onde é cultivada, embora prefira os locais mais quentes e ensolarados, onde até suporta bem a escassez de água, mas sem descuidar a gestão do stress hídrico para evitar a desidratação.
Sendo viajada, significa dar-se bem em vários tipos de solo. No xisto origina vinhos intensos, equilibrados e encorpados, enquanto os solos graníticos oferecem frescura, acidez, taninos finos e aromas marcantes. Já em terrenos argilo-calcários, com boa amplitude térmica, apresenta excelente cor, taninos elegantes, acidez equilibrada e sem excesso de álcool. Já os terrenos férteis e frescos no Verão são pouco favoráveis em relação à qualidade.
A Touriga Nacional tem um ciclo longo, amadurecendo completamente já em tempo de outono. No Douro é uma das últimas a ser vindimada. No entanto, o perigo espreita com as chuvas nessa época poderem representar um risco para a qualidade final da uva. A elasticidade da película oferece alguma resistência à água das chuvas, não deixando o bago rebentar quando incha. De qualquer modo, a vigilância nunca será demais.
Quando o equilíbrio é perfeito, os vinhos têm fruta muito bem definida e focada, e um lado de grande frescura.
A Touriga Nacional produz cachos pequenos, e as suas uvas têm cascas espessas, o que torna crucial um processo de extração delicado durante a vinificação, a fim de evitar um excesso de taninos que possa deixar o vinho com uma sensação de dureza ou "rija" na boca.
Na adega, vários processos levam a perfis diferenciados da casta. Vinificada em depósitos de aço inoxidável na resulta em vinhos mais suaves, com taninos menos pronunciados, enquanto a vinificação em lagar, de maior exposição ao oxigénio e maior contacto entre película e mosto, confere ao vinho mais amplitude. Há quem faça uma primeira pisa em lagar e depois acabe o vinho em cuba de inox. A maloláctica pode decorrer em aço inoxidável para manter a elegância e frescura, ou conduzida em barrica se objetivo é o de ter taninos menos adstringentes e maior untuosidade.
Os vinhos de Touriga Nacional têm excelente afinidade com barricas de carvalho francês, porém, a escolha deve ser criteriosa para que as barricas complementem a casta e não prevaleçam sobre o vinho. A boa utilização de barricas ajuda a suprir alguma carência do meio de boca na Touriga Nacional, contribuindo para construir uma sensação de fluidez na boca e evitando secura no final de boca. É muito frequente a combinação de barricas novas com outras mais usadas. Já o carvalho americano, é menos apreciado. Tende a mascarar a personalidade da Touriga Nacional, ao contrário do carvalho francês, que realça as características da casta. De qualquer modo, é sensato uma parte do vinho ser mantida sem barrica para integrar o lote final.
Todavia, é preciso ter cautela na interação entre a madeira e a Touriga Nacional, pois a casta tem alguma propensão para desenvolver fenóis voláteis e a temida Brett (responsável pelo aroma a suor de cavalo e couro). A casta possui elevado teor de ácido ferúlico e cumárico, que são utilizados no metabolismo de brettanomyces. Por isso, todo o cuidado é pouco e a vigilância constante é essencial para evitar essa situação.
A que cheira e sabe a Touriga Nacional?
Em geral, os vinhos de Touriga Nacional mostram cor retinta intensa e tonalidades violáceas quando jovens. O aroma é igualmente fascinante, repleto de frutos pretos maduros, com nuances de bagas silvestres, rosmaninho, alfazema, caruma e esteva, entre outros. A Touriga Nacional tem elevada concentração de terpenos livres, responsáveis pelos aromas florais e frutados. Adicionalmente, é rica em compostos associados ao aroma de violeta, mais evidentes quando há pouco ou nenhum uso de barricas na vinificação.
A intensidade aromática dessa casta tem gerado divergências entre os apreciadores. Enquanto alguns podem não apreciar a natureza alegre e floral da casta, outros valorizam-na, pois confere aos vinhos um atrativo imediato e uma identidade varietal reconhecível. Algo menos evidente nos vinhos portugueses, tradicionalmente feitos com lotes de várias castas. Essa intensidade é bem-vinda nos vinhos mais simples, tornando seu aroma atraente e equilibrado.
É uma das castas mais frequentemente vinificadas como monocasta, entre as tintas. No Douro, a Touriga Nacional desempenha um papel importante no Vinho do Porto, frequentemente em parceria com a Touriga Franca. Também é bem-sucedida em todo o país, sozinha ou misturada com outras castas, como a Tinta Roriz, Tinto Cão, Trincadeira, Tinta Barroca, Jaen, Alfrocheiro e até Baga.
Com elevado potencial para envelhecimento, os vinhos de Touriga Nacional ao longo do tempo, desenvolvem uma elegância, aroma e sabor aveludados inconfundíveis.
A versatilidade da Touriga Nacional é notável, sendo capaz de produzir vinhos espumantes de alta qualidade e deliciosos rosés.
Por tudo isto, tem ganho reputação de casta bandeira nacional, em que até o nome “nacional” ajuda.
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