O momento é-lhe favorável. A preferência crescente por vinhos mais elegantes, menos corados, pouco alcoólicos, de genuína frescura e forte aptidão gastronómica, contrasta com um passado, não longínquo, em que essas mesmas características a prejudicavam.
A Rufete é a principal casta tinta da região vitivinícola Beira Interior (2,193 hectares IVV 2022), embora dispersa pelo interior norte e centro do país. No Dão (415 hectares IVV 2022), com alguma relevância já no Douro e Trás-os-Montes coabita por entre as vinhas velhas ainda que a sua presença seja residual. Também esta muito presente no outro lado da fronteira, na vizinha Sierra de Salamanca.
Já no final do século XVIII foi sinalizada nas Beiras, onde também é conhecida por Tinta Pinheira. Segundo a Biologia Molecular, é descendente de um cruzamento, pensa-se que espontâneo, entre as castas Molar de Colares ("Tinta Negra" na Madeira e "Saborinho" nos Açores) e Perpinhão de Portalegre.
No passado recente, em que a quantidade era o propósito, justificava a preferência dos produtores e dos negociantes do vinho a granel pois produzia bem todos os anos e chegava a alcançar as 20 toneladas por hectare. Na Beira Interior é conhecida por “pai dos pobres” dada a sua generosidade produtiva.
Mais tarde, passaria a ser menos apreciada e considerada como casta menor, por dar vinhos de pouca cor, delgados e muito ácidos, débeis de grau alcoólico e sem capacidade de envelhecimento. Razões suficientes para que fosse preterida nas renovações de vinhas ou em novas plantações.
No entanto, a acidez e pouca cor ainda conseguiam fazê-la ter utilidade. Na vinificação era invariavelmente misturada com outras castas. Via-se a Rufete como uma boa componente de equilíbrio em lotes. Essa função de solidariedade e papel acessório, mantinha a incógnita do seu real valor.
Parecia que nada corria a seu favor. O ciclo de gosto mudara. Época que favorecia os vinhos com cor e pujança, o que em nada fazia da Rufete a escolha mais atrativa e categórica. Também a sua fragilidade não permitia boa ligação à barrica nova, o que a afastava de outro dos gostos dominantes.
Quando, nesta onda mais recente, se começava a apreciar os vinhos mais elegantes, menos corados e graduados, tornaram-se boas notícias para a Rufete. O paladar enófilo passou a acostumar-se às componentes de pendor vegetal, encaixando no que a casta tem para oferecer.
E mais, quando as castas autóctones começaram a ser encaradas com outros olhos e se começou a testar a vinificação da Rufete em estreme, destaparam-se alguns dos seus segredos enológicos. Em especial na Beira Interior, os técnicos depararam-se com uma vasta variedade clonal. Desde videiras com cachos grandes e bagos gordos e outras de cachos e bagos pequenos. Percebeu-se serem estes últimos os capazes de graduar melhor, de dar mais cor e concentração.
Conclui-se que para fazer vinho de qualidade elevada, havia que limitar o rendimento às 6 toneladas por hectare, especialmente nas vinhas velhas. Nestas condições e em anos de maturação completa, a casta origina vinhos excepcionais, de boa cor, aroma intenso e original, elegantes na boca, onde impera uma acidez marcante e sedutora. E nos melhores exemplos, os vinhos viverão de boa saúde em garrafa por uma década, pelo menos.
Beira Interior
Tendo em conta que a Beira Interior é (provavelmente) a zona de origem da Rufete, nas últimas duas décadas vários produtores que prezam a sua identidade regional, dedicam-lhe atenções e cuidados. E têm surgido alguns vinhos varietais de Rufete de qualidade assinalável e plenos de personalidade, que têm aberto caminho para a afirmação da casta.
Dão
No Dão, sob o nome de Tinta Pinheira, (pode-se especular se o nome esteja ligado a alguma das suas nuances vegetais que lembram os aromas de pinheiro) têm perfis distintos de acordo com o tipo de solo. Há quem diga que nesta região, em anos mais frescos “a Tinta Pinheira ganha notas vegetais que até lembram Pinot Noir."
Solos
Nos terrenos de origem granítica, franco-arenosos com boa drenagem, a casta origina vinhos muito distintos de aroma, menos encorpados e mais assertivos na boca quando jovens, adivinhando-lhe boa longevidade. Nos terrenos de origem xistenta, com mais argila e maior retenção de água, dá vinhos mais corados, encorpados, de pH mais alto e ligeiramente rústicos, embora mantenham o caráter.
Amadurece em época média em simultâneo com a uva Castelão. Na vinha pode, em virtude da finura da película, ser atreita a míldio e oídio e, como se não bastasse, com golpes de calor desidrata facilmente e com chuva apodrece.
Douro
A sua presença no Douro, comprova a boa adaptação a climas quentes e secos. Gosta dos solos bem drenados, o que explica a grande afinidade com os terrenos de xisto durienses.
Na Adega
Para expressar o melhor das suas virtudes é de evitar as macerações e extrações mais intensas. Resulta muito bem em barricas usadas, tonéis ou depósitos de cimento.
Quando a Rufete produz mais, uma das soluções passa por fazer vinhos rosados, daqueles de pouca cor e muito frescos, tão na moda. Outra opção passa pela elaboração de vinhos base para espumante blanc de noir ou rosados, dada a ótima acidez e elevada distinção de aroma.
Sem esquecer os tintos propositadamente mais ligeiros e simples que fazem as delícias diante de petiscos mais despretensiosos, ou para beber a solo. Talvez não seja desapropriado reconhecer-lhe uma certa plasticidade enológica.
Perfil
Em geral, a uva Rufete produz vinhos de cor aberta, aromáticos, perfumados, com sensações que incluem morangos, framboesas e ervas aromáticas. O corpo mostra-se ligeiro, de taninos finos, mas aguerridos, com alguns sabores de perfil herbáceo, num todo onde a frescura é a protagonista. Se adicionarmos a sua eficaz versatilidade gastronómica, percebe-se porque ganha cada vez mais apreciadores.
Se está curioso para experimentar os diversos perfis dessa variedade, aqui estão algumas sugestões do Sommelier Manuel Moreira:
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