No final do século XVII, os vinhos portugueses e espanhóis encontraram um caminho bastante desimpedido para Inglaterra, graças às vantajosas taxas alfandegárias em comparação com os concorrentes franceses. Rapidamente, conquistou o paladar dos amantes de vinho na Inglaterra, superando vinhos de outras origens, sejam eles portugueses, franceses ou espanhóis.
A Inglaterra tornou-se o mercado quase exclusivo para o "Port Wine". Os comerciantes britânicos e escoceses não operavam isoladamente no comércio do vinho do Porto. Famílias holandesas e alemãs também participavam deste setor. No entanto, devido à significativa importância do mercado inglês, os comerciantes britânicos predominavam.
Eles não apenas compravam os melhores vinhos finos do Douro, mas também estabeleciam os preços e ditavam o estilo dos vinhos a serem exportados.
À medida que a procura inglesa crescia e os preços subiam, a produção de vinho no Douro esforçava-se para acompanhar as novas exigências do mercado. No entanto, como acontece em todas as histórias de sucesso, o negócio também abriu espaço para fraudes e abusos. Surgiram denúncias sobre lavradores que, para disfarçar vinhos de qualidade inferior, misturavam ingredientes questionáveis, como aguardente, bagas de sabugueiro, açúcar e outros tratamentos, na produção do chamado "vinho de feitoria". Isso desencadeou acalorados debates e discórdia entre comerciantes, exportadores e agricultores, cada um procurando culpar o outro.
Por volta dos anos 1730, as exportações de vinho do Porto estagnaram, enquanto a produção continuava a crescer, levando a uma queda nos preços durante as colheitas mais abundantes. As colheitas desastrosas de 1753 e 1754 resultaram na venda de vinhos a preços irrisórios, incapazes de cobrir os custos de cultivo das vinhas. O somatório das flutuações na procura, das falsificações e das condições climáticas incontroláveis no Alto Douro causou uma crescente tensão e conflitos entre os interesses dos grandes vinhateiros locais e os exportadores ingleses.
Foi nesse cenário turbulento que um grupo de visionários, liderados pelo fidalgo Dr. Luiz Beleza de Andrade, de Valdigem, pelo frade dominicano João de Mansilha, de Lobrigos, e pelo negociante biscainho Bartolomeu Pancorbo, se reuniram em 1755. Todos compartilhavam um objetivo: debater os problemas do sector e encontrar uma solução para resistir à pressão inglesa. Juntos, elaboraram um ambicioso projeto, que enviaram ao rei, com a esperança de obter o apoio do primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro Marquês do Pombal. O resultado desse esforço foi a instituição da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, por meio de um alvará régio datado de 10 de setembro de 1756.
A Companhia, como um mecanismo estatal de regulação do setor, recebeu amplos poderes, incluindo jurisdição e fiscalização. Ela também gozava de privilégios e monopólios, como a venda de vinhos de mesa na região do Porto e arredores, a produção e venda de aguardente no Norte do país, e a exportação de vinhos para o Brasil.
A Companhia tinha objetivos claros: recuperar a reputação do vinho, controlar sua qualidade, estabelecer preços justos e apoiar a cultura das vinhas no Douro, buscando equilibrar a produção e o comércio.
Entre suas medidas emblemáticas, destacou-se a criação de um mapa delimitando as áreas de produção de vinhos de alta qualidade e a introdução de um sistema de cadastro para controlar a produção nas propriedades.
Além disso, os preços dos vinhos passaram a ser fixados com base na qualidade. Os “vinhos de feitoria", destinados ao mercado inglês, eram vendidos a preços mais elevados, enquanto os vinhos destinados ao Brasil e outros portos estrangeiros tinham preços distintos. Até mesmo os "vinhos de ramo" para consumo local nas tabernas do Porto e Douro foram categorizados com seus próprios preços, os mais baixos.
A instituição da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro não ocorreu sem controvérsias. Embora tenha sido aplaudida pelas elites locais e proprietários de vinhas, que viam nela uma maneira de proteger seus interesses contra o domínio dos negociantes ingleses, enfrentou forte oposição de taberneiros, elementos do clero e dos próprios ingleses, que viram seu espaço de atuação diminuir. A contestação resultou em motins violentos, que deixaram uma marca sombria na história da cidade do Porto.
A demarcação pombalina introduziu no mundo do vinho a ideia moderna de "denominação de origem controlada". Isso incluía não apenas a definição das fronteiras de uma região vitivinícola, (nesse sentido, as demarcações dos Chianti na Toscana, em 1716, e dos Tokaj húngaros, em 1737, ocorreram antes disso), mas também a criação de um cadastro e classificação das parcelas e vinhos, levando em conta a complexidade regional. Ao mesmo tempo, foram estabelecidos mecanismos institucionais de controle e certificação do produto, apoiados por extensa legislação.
Essa revolução na produção do vinho do Porto não apenas resgatou a qualidade e a reputação do vinho, mas também deixou um legado duradouro na história da viticultura e na regulamentação dos vinhos em todo o mundo. Hoje, o Vinho do Porto continua a ser apreciado e celebrado como um tesouro de Portugal, graças à visão e determinação desses visionários do século XVIII.
Bibliografia
Pereira, Martins. Enciclopédia dos Vinhos de Portugal O Vinho do Porto e Douro. Lisboa. Chaves Ferreira - Publicações, SA, 1998
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